Post do mês de julho de 2025:
As últimas polaroids dos senhores do tempo na América Latina No último post, havíamos analisado os vinte e quatro números da revista Elegância e Precisão, que servia à sua época como um verdadeiro Caderno do Importador de relógios suíços e de diamantes do e para o Brasil. Relembramos aqui que o Brasil, em 1968, era o terceiro maior importador desta indústria (vol. 103, 1968, pg. 94). Reitero, logo no início deste post, que acho o setor relojoeiro particularmente interessante por servir de um exemplo da globalização suíça no Sul global – possivelmente neocolonizador, mas sempre dependente do imperialismo estadunidense. Não por nada, os Estados Unidos permanecem os maiores consumidores de relógios suíços no mundo. Vol. 164, 1978, pg. 34 vol. 136, 1973, pg. 26 Vol. 164, 1978, pg. 31 Como entender o Brasil como o lugar da produção? Ou: O que pode significar a Zona Franca de Manaus para empresas relojoeiras suíças? (Vol. 168, 1979, pgs. 19 & 22-23) Vale, portanto, analisarmos uma outra revista da mesma leva, que é, desta vez, dedicada à América Latina. O escopo da análise aqui presente é obviamente reduzido quando nos deparamos com os 228 números desta publicação. Por este motivo, não alego que iremos analisar a revista, mas apenas apresentar a/o leitor/a algumas polaroids dos senhores do tempo na América Latina. Nosso foco não é necessariamente em uma análise do discurso, mas puramente da imagem. As observações do último post sobre as relações de gênero na indústria, ao menos das hipóteses que podemos levantar sobre estas através do marketing vigente no período citado, serão deixadas um pouco de lado no atual post. Claro que é impossível não ver gênero na nova revista sendo analisada: Suas colunas de piadas ainda estão repletas de contos sobre invenções de relógios uteis ao patriarcado. Por exemplo, nos deparamos com um relógio que “prevê” o estado de espírito de um marido através da medição do tempo no qual o tal marido abre a porta em sua chegada à casa (1942, p. 13). Ou ainda, um relógio que mede o tempo real de um casamento infeliz versus o tempo em um affair com uma mulher bonita. Ou ainda, um processo de cravagens de nomes invisíveis na aliança que é tão inovador que permite a sua reutilização em um segundo casamento (vol. 3, 1942, p. 13). Há, até mesmo, uma piada sobre feminicídios (aonde o feminicida, havendo matado a família toda, inclusive a sogra, utiliza da ausência da sogra em sua nova vida para sua própria defesa – como indicador de quão coitado ele é, já que, “nem sogra tem” (1942, vol. 2, p. 13). Do mesmo jeito, tomamos também a decisão de deixarmos um pouco a crítica descolonial do post atual, ainda que esta seja tão evidente, principalmente quando a revista preza, na ocasião da celebração dos 650 anos da Constituição suíça em 1941, as formas nas quais a “dura vida nas montanhas, do clima e do trabalho árduo (haveria) forma(do) a resistência física e moral insuperável do povo suíço.” (vol. 1, 1942, p. 24). Até mesmo o interesse marxista cede no atual post. Obviamente, é interessante lermos sobre como as exportações são limitadas dentro e fora da Europa durante a guerra – que é, por sinal, um outro divisor de águas na história da indústria relojoeira suíça – devido ao controle de carvão e ferro, que levaria até mesmo a coleta de objetos em metal em desuso na Suíça (vol. 1, 1942, p. 32). E interessante reencontrarmos nas páginas da tal revista latinoamericana publicidades bancárias alertando importadores sobre as restrições bancárias entre a Suíça e a Argentina vigentes durante a guerra (vol. 2, 1942, p. 7). De modo geral, é de interesse publico ler sobre a parceria histórica entre o complexo militar industrial e a indústria relojoeira, ao exemplo de como relógios suíços são utilizados pela Marinha espanhola (Vol.127, 1972, pg. 21) ou em missões espaciais, dentre muitos outros, para os quais este post não teria possibilidade de dar o devido espaço. Marxistas estariam ainda talvez mais interessado/a/s em ler sobre como a Secretaria de Comercio dos EUA já conduzia estudos sobre as quantidades de reservas de ouro na América Latina (vol. 3, 1942, pg. 18). Ou na mesma verve, que comerciantes de diamantes são retratados na edição latino-americana da revista como cidadãos de uma quase-nação, seguindo seus próprios interesses e leis, na qual confiança mútua e “um aperto de mãos pode valer milhões” (vol. 147, 1975, pg. 77): Comerciantes de diamantes na bolsa da Antuérpia. (Vol. 147, 1975, pg. 73) De uma romantização da guerra no passado distante… (Vol. 91, 1966, pgs. 50-51) … a uma romantização da guerra naquele presente. (Vol. 131, 1972, pg. 11) Ainda sobre a globalização suíça. (Vol. 1942, pg. 11 Inicialmente chamada La Revista Relojera (1942-1948), a revista foi rebatizada com o nome Estrella del Sur (1952-1965), se tornando Europa Star em 1966 até o fim da sua publicação em 1979. A análise que aqui segue, de uma revista que já é mais abrangente no seu escopo geográfico, é muito mais superficial: dos seus 228 números, analisamos com afinco apenas os 54 que foram publicados nos anos 1970. O foco nos anos 70 é minha escolha, já que é nesta década que a indústria relojoeira suíça é abatida por uma revolução industrial ligada a proliferação de relógios eletrônicos que funcionam sob a tecnologia quartz. Neste período, estes relógios vêm principalmente do Japão e da Coréia do Sul. Basta pensarmos, por exemplo, nas marcas Casio, Technos, Seiko ou Mikaido. Por sinal, estas empresas começam neste período a investir pesado no marketing dos seus produtos na Europa Star (ver vol. 167, 1979, pg. 48; Vol. 162, 1978, pg. 19). Os efeitos da competição asiática na Suíça são claros: no país, a indústria padece sob uma crise empregatícia (ver vol. 153, 1976, pg. 21), que dá margem a um paro parcial de trabalhadores/as, confrontados/as com a introdução estrutural de jornadas de trabalho reduzidas. Até nas páginas da EuropaStar, observamos como as práticas de outsourcing
Post do mês de junho de 2025:

Pequeno mergulho na relação entre o Brasil e a indústria relojoeira suíça por Annelise Erismann Foto da capa da revista “Elegância e Precisão” do ano de 1955 (número 54) No post do mês anterior, eu tentei esboçar um pouco do que seria a nossa linha de pesquisa por aqui. Acho que a grande dificuldade consiste em convencer o leitor ou a leitora que há sim muitas formas na quais a indústria relojoeira suíça possui uma conexão histórica e quase que intrínseca com o Brasil. Intuitivamente, a gente poderia fazer a conexão imediata com o extrativismo de minérios e pedras preciosas e o que este acarreta dentro do país. No mais, seria difícil encontrar um outro viés, no qual este sub-nicho da indústria de luxo mundial interessaria a alguém no Brasil para além da elite Odete Roitman (ao mesmo tempo que, em si, julgo importante almejar o estudo da elite Odete Roitman, que apresenta recortes cada vez mais inesperados). Voltando a nossa questão inicial sobre a relevância desta linha de pesquisa para o Brasil: Afinal, quem tem dinheiro pra comprar um relógio suíço do que chamam de alta gama, pra além do Neymar Jr. e da Anitta? Talvez adentrar o mundo da publicidade dita relojoeira seja uma forma de cogitar um contexto no qual as articulações entre agentes da indústria relojoeira no Brasil nos ensinam algo importante sobre a história do nosso país. Dos meados dos anos 50 aos anos 70, o dito Escritório de Documentação Industrial/Publicidade Relojoeira, localizado em Genebra, produziu revistas com intuito de viabilizar uma maior conexão entre vendedores, relojoeiros, importadores e exportadores de relógios suíços mundo afora. Na América Latina, esta publicidade se estendia a Argentina com a “Elite”, ao Uruguai e à Venezuela com a “Vida Doméstica” (para além da Time Internacional em espanhol). É engraçado ver que, mesmo que haja alguma sensibilidade às particularidades nacionais, ao menos em um anúncio mais esdrúxulo no volume 56 da revista brasileira “Elegância e Precisão”, mal se concebe a América Latina como entidade autônoma. Uma fábrica suíça de relógios busca parceiros para exportação “para Portugal e possessões, Espanha e colônias.” (página 24). Encontramos por sinal traços da existência desta revista nos arquivos digitalizados da revista suíça EuropaStar, que é publicada até hoje e que traz as novidades do mundo da relojoaria. Nestes arquivos, encontramos seus 24 volumes – publicados de 1955 a 1962. A revista era publicada por E. de Araujo e tinha um escritório de publicação em São Paulo, distribuindo também para o Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Em suas páginas, os lugares mais provincianos na Suíça (como por exemplo, Monthey no cantão de Valais, a cidade de La Chaux-de-Fonds, ou a cidade onde moro, Biel/Bienne) ganham conotação universal, sendo catapultadas a palcos de acontecimentos de importância global. Certamente, por algum motivo que nos escapa, o público brasileiro da revista em 1954 tinha mesmo que ler sobre um evento reunindo o então presidente da Câmara suíça de relojoaria, o então presidente do governo valaisano, um general e professor de organização industrial em Harvard e um professor de química mineral na Universidade de Lausanne (pg. 10, vol. 54 de 1955). Utilizando-nos da mesma lógica, de criticar o universalismo europeu, chegaríamos à conclusão de que, com tanto problema importante no Brasil, talvez não faria sentido algum continuar a escrita deste texto. Por que diabos nos interessaria revisitar seus arquivos agora? Voltando à apenas mais uma ramificação brasileira do capitalismo europeu, portanto, à tal revista e à elite dependente que a lê: Aos nossos olhos, a Elegância e Precisão poderia ser facilmente reduzida a um tipo de catálogo publicitário do mundo relojoeiro, por ser repleta de anúncios sobre empresas montadoras de relógios. Em suas páginas, aprendemos algo sobre os modelos de relógios que estavam em voga neste período – por exemplo, relógios-pulseiras, relógios delgados, relógios com movimentos complexos, entre outros. A revista nos possibilita também entender o impacto de algumas inovações tecnológicas da indústria – por exemplo, a implementação da tecnologia de quartzo agatoide (vol. 98 de 1962, pg. 21), o uso de uma nova liga de ouro que também era usada na odontologia (vol. 100 de 1962, pg. 24) e a normalização de amortecedores de choque para relógios. Alguns setores correlatos, vendedores de cofres fortes, seguradoras, empresas que produzem agulhas para gramofones, também anunciam nesta. Há ainda discussões de fundo sobre acontecimentos geopolíticos relevantes, artigos sobre técnicas de reparação relojoeira e pequenas notas sobre mudanças no regime de importação da indústria relojoeira – por exemplo, quando da passagem de lei nos Estados Unidos que impõe a menção da origem do produto (a gravura “feito em” na parte de trás de um relógio, vol. 99 de 1962); a exemplo de mudanças na exportação de couros curtidos de jacaré e animais selvagens do Brasil (vol. 59, 1955, pg. 23), ou pela crescente concorrência japonesa frente à indústria europeia (vol. 97 de 1962, pg. 17). Além disso, quaisquer outras ameaças à estabilidade deste setor, como notícias sobre contrabandos revelados em determinados países ou até anúncios da morte de agentes do patronato da indústria relojoeira (em uma seção denominada “necrologia”), também merecem atenção. Há, por fim, todo tipo de “classificados”: anúncios de relojoeiros oferecendo seus serviços, ou empresas alemãs, suíças ou francesas em busca de importadores e artigos sobre a história da indústria relojoeira em determinado país, salientando nomes históricos que tenham alguma ligação com a indústria relojoeira (do estilo: “Você sabia que o escritor do Barbeiro de Sevilha também foi relojoeiro?” Ver volume 99 de 1962). Um aspecto interessante é quando a Revista propõe concursos entre seus leitores. Na pg. 13 do volume 62 de 1961 por exemplo, o ganhador colombiano de uma competição de textos de marketing sobre uma determinada marca escreve uma cena na qual o comprador fictício de um relógio, feliz com o seu funcionamento após a introdução de um amortecedor de choques suíço durante os trabalhos de reparação, faz a seguinte observação: “A estes suíços, ninguém ganha em precisão.” (Um parêntese portanto: o preço de um relógio
Quais são as lições metodológicas que os clássicos têm para nos dizer?

Talita dos Santos Fernandes Mestranda na UNIFESP Introdução O presente texto deu-se a partir das reflexões sobre a metodologia das ciências sociais. Proponho uma reflexão sobre o que podemos aprender com os clássicos a partir das obras de Aristóteles – A Política escrito por volta dos anos 335-323 a.C e de Nicolau Maquiavel – Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio (1513 -1517). Minha intenção não é fazer uma discussão sobre os conceitos utilizados pelos autores, mas sim, compreender quais foram as questões que os orientaram nas investigações, como fizeram suas pesquisas e o que suas obras contribuem na atualidade, e quais são as aproximações sobre o conceito de política nas obras. A importância desse tema é fundamental em um contexto de intensas críticas à ciência, críticas ao racionalismo científico, em que a ciência é colocada em xeque em movimentos que pregam que precisamos (des)ler os clássicos. As questões que norteiam esse debate são as contribuições metodológicas nas ciências sociais por se tratar de uma ciência não exata, mas que requer tanto rigor científico quanto às ciências exatas e naturais. Dito isto, busquei compreender a partir da historicidade as análises desses autores. Para tanto, é necessário situar o contexto histórico político e cultural em que as obras foram escritas. Aristóteles, foi um dos mais influentes discípulos de Platão, realizou os seus estudos em Atenas, onde pôde observar como funcionava aquela pequena pólis com uma vida política e cultural muito ativa. Nas obras de dramaturgos gregos aparece muito da vida política de Atenas como é representado em algumas peças de teatro como Lisístrata de Aristófanes e as histórias de Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona de Sófocles. Atenas, é um dos exemplos mais citados quando o assunto é sobre participação política. No entanto, devemos fazer todas as ponderações ao falar sobre esse assunto na atualidade, é dever do cientista político não deslocar o lugar e o tempo em que foi construída a teoria, bem como outras temáticas que aparecem na obra. Estamos traçando alguns dos temas abordados na obra de Aristóteles, mas o objetivo desta reflexão não é discutir esses assuntos de forma aprofundada, é mais para compreender os termos em que foi construído o livro. Na obra A Política, notamos considerações de como os cidadãos precisam se portar para alcançar a felicidade e a coesão da pólis. Vemos o quanto a noção de família enquanto uma instituição é importante para o desenvolvimento na política. As categorias de cidadãos também definem muito bem os papeis sociais dos escravizados, dos homens e das mulheres, quem deveria participar da vida política e quem não. Feito essa pequena introdução da obra de Aristóteles, partimos para breves considerações sobre Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio – Nicolau Maquiavel. Quando citamos Nicolau Maquiavel já nos reportamos O Príncipe (1532), obra de fundamental importância e que nos traz muitas lições para compreender a política e como deveria se comportar um Príncipe ou um principado. Em outras leituras, como a de Antonio Gramsci, nos Cuadernos del Cárcere de1919–1920, o Príncipe é lido como a função que os partidos políticos devem seguir e a reflexão sobre qual é o papel do partido político. Mas, para esse pequeno texto, foi escolhida a obra Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio. Nesta obra, Maquiavel, imbuído pelo Renascimento italiano, em que a Itália fragmentada estava buscando uma unificação cultural e política para um fortalecimento do país contra guerras, uma nova forma de reconhecer e lidar com a política é desenvolvida por Maquiavel. Em contraste com o pensamento político de Aristóteles que via a organização da sociedade como algo natural, legitimado pelos mitos e deuses gregos, Maquiavel inaugura, o pensamento moderno, marcada pela ruptura do teocentrismo e passa a colocar o homem como o centro de tudo. Nesse sentido, a política para Maquiavel é vista de uma outra forma, não há mais moralidade na política, a religião não é mais o que determina as relações sociais e a política. A concepção de política passa a ser vista como o homem tendo discernimento sobre as suas escolhas políticas podendo estudar e colocar em prática o que ele acredita ser melhor dependendo das relações de força do governo. Uma das lições que Maquiavel apresenta no segundo capítulo é sobre os ensinamentos que as experiências passadas tem para nos mostrar, como exemplificou: Com o crescimento da população, os homens se reuniram e, para melhor se defender, começaram a distinguir os mais robustos e mais corajosos, que passaram a respeitar como chefes. Chegou-se assim ao conhecimento do que era útil e honesto, por oposição ao que era pernicioso e ruim. Viu-se que quem prejudicava o seu benfeitor provocava nos homens sentimentos de ira e de piedade pela sua vítima. Passou-se a detestar os ingratos, a honrar os que demonstravam gratidão; e, pelo temor de sofrer as mesmas injúrias que outros tinham sofrido, procurou-se erigir a barreira das leis contra os maus, impondo penalidades aos que tentassem desrespeitá-la. Estas foram as primeiras noções de justiça (MAQUIAVEL, 2008, p.24). Após o conhecimento pelos cidadãos sobre as questões de justiça, ao se escolher um governante os requisitos mudaram, já não estavam interessados em escolher o mais corajoso, mas sim o homem que mais respeitasse as noções de justiça. Há uma mudança na mentalidade política dos homens a partir do Renascimento italiano. Uma nova forma de ver as relações sociais, uma ruptura na forma de pensar velha dá espaço para uma nova. Lições metodológicas em Aristóteles e Nicolau Maquiavel Com base nessas informações acerca dos contextos históricos em que as obras foram escritas, vamos nos ater as lições metodológicas que os autores nos apresentam. Também como uma forma de sistematização do seu pensamento. As obras são de grande valia no que se trata de métodos e metodologia científica. Aristóteles, nos traz uma questão de metodologia a partir da empiria para entender como ele realizou a sua obra “A Política”. Como o autor chegou a tais critérios e conceitos e não outros. Sua primeira proposição nos
Apresentação Annelise Ersimann

Quando a Professora Joana Coutinho me convidou para fazer parte do corpo de escritoras e escritores do blog do Grupo de Estudos Hegemonia e Lutas na América Latina, eu já havia desistido de submeter um projeto de pós-doutorado sobre a indústria relojoeira suíça ao Fundo Nacional Suíço – uma instituição equivalente à Capes brasileira – devido a enorme instabilidade contratual do sistema acadêmico suíço a longo prazo, e especialmente após os últimos cortes.[1] Em suma, eu não podia mais me dar o luxo de tanta instabilidade depois de me tornar mãe e enquanto mulher imigrante, branco-parda-indígena no Brasil e racializada na Europa. Trabalhar em uma candidatura à um financiamento suíço tinha sido pra mim até então óbvio porque, ao menos pra mim, aos olhos do público suíço, era evidente que a indústria relojoeira interessaria uma agência de financiamento suíça[2] por tocar em muitas questões do quintal de casa – por exemplo, este setor serviria como um excelente estudo de caso para entender a incorporação laboral de imigrantes de países europeus[3], mas não apenas,[4] ou ainda, a renovação de fluxos migratórios regionais, principalmente da França vizinha ou da Alemanha, ou por fim, a greve feminista que se repete todo ano e tem seu início com a mobilização de trabalhadoras da indústria relojoeira em 1991.[5] E em meio a esta greve que algumas figuras do sindicalismo suíço se destacam, tais quais a social-democrata Christiane Brunner, que morreu no mês passado. Para quem lê do Maranhão, há todo um processo de contextualização importante a ser feito inicialmente: Minha escrita é geolocalmente situada na cidade de Biel/Bienne, cidade relojoeira onde se encontram o segundo maior polo de produção da empresa de relógios Rolex, bem como os museus do grupo Swatch e da marca Ômega. Aqui também se encontra a sede da Federação da Indústria Relojeira Suíça e ao menos uma escola técnica voltada para a formação de relojoeiro/a/s (o BBZ/CFP) até os 25 anos completos. Aos companheiros e companheiras marxistas que possam estar lendo este artigo, bastaria dizer que Marx já havia se interessado pela indústria relojoeira – segundo ele, este setor continha em si um exemplo de produção heterogênea por sua especialização e divisão do trabalho (Bohlhalter, 2016; Grolimund, 2009, p. 21).[1] As e os latino-americanistas que possam estar lendo este post, talvez possam mais facilmente antecipar alguma relação com este setor que nos ajude a melhor compreender as sociedades latino-americanas. Será que poderíamos fazer alguma analogia com a industrialização brasileira, não apenas pelos discursos contemporâneos de capacitação e transferência de conhecimento e material industrial através de subsidiárias de empresas agindo em países emergentes? De que forma um olhar ao setor relojoeiro suíço nos permite uma reflexão sobre as práticas de consumo de produtos de luxo e ostentação social das elites mundiais, principalmente nas suas ramificações periféricas? Neste viés da argumentação, basta a gente lembrar do tão celebre debate sobre o relógio Rolex do Luciano Hulk sendo roubado em São Paulo (ver a discussão proposta no artigo “O lance do Rolex” de José Carlos Rodrigues e Juliana d’Arêde). Ou ainda, vale a pena ver os vídeos de publicidade para uma empresa suíça de personalização de relógios de luxo, gravados com alguns notórios brasileiros, como Rubens Barrichello, corredor de fórmula 1, ou Tallis Gomes, empreendedor e criador da EasyTaxi, companhia de monitoramento real de táxis. Em próximas publicações do blog, vamos ver como a empresa contratada para a dita customização de um relógio de luxo, a Artisans de Genève, foi há pouco tempo responsável por um certo deslocamento das fronteiras do que constitui o direito à marca sob o produto através da sua mais recente vitória judicial no Tribunal federal suíço contra a empresa Rolex (ver artigo que resume a historia na imprensa suíça aqui). Talvez possamos ainda discutir como a implementação das tarifas sob importes com a administração de Trump afeta esta indústria, cujo maior consumidor é o mercado estadunidense. Em algum momento, poderíamos nos interessar pelo debate sobre a porcentagem necessária para que um relógio possa carregar o título de “produzido na Suíça.” (uma palhinha sobre este debate segue aqui). Bem mais tarde, vamos falar sobre os resultados daquele estudo (Schultz e Seele 2022, p. 14) que indica, baseando-se em conversas com trabalhadores da indústria de relógios, que alguns de seus clientes que trabalham para seguradoras suíças retiram seus Rolexes antes de conversarem com futuros clientes, com receio de que estes últimos possam vir a associar suas respectivas empresas com a venda predatória de seguros. E, certamente, ainda este ano, nos debruçaremos sobre a seguinte questão: O que pensar da posição de antropólogas/os/es que estudam a temática da indústria de luxo – estariam estes e estas em uma cilada metodológica, na qual seus sujeitos de estudo também exercem um determinado poder sob si? O estudo de Mehita Iqani (2022), antropóloga da indústria de luxo na África do Sul, que escreve um artigo sobre, mas também posta uma foto sua com um colar de ouro da marca Cartier no seu Instagram pessoal, é aqui revelador e potencialmente muito útil pra elaborarmos por fim uma critica à sociologia e antropologia que não escapa de uma fetichização desse mercado. Dentre os muitos debates que esta coluna ainda pode apresentar, é bom estarmos de acordo com o seguinte: trataremos aqui de temas que regem a indústria relojoeira suíça, subentendendo-a como um recente agregado da indústria de luxo e um braço industrial da indústria do turismo na Suíça. Proponho estes debates sempre numa perspectiva brasileira e feminista interseccional (por eu ser uma especialista em estudos de gênero que se interessa acima de tudo pela síntese entre feminismos, economia política e geopolítica. Já escrevi, por sinal, sobre a economia política do feminismo brasileiro aqui). Tem ideias, sugestões de temas ligados a indústria de luxo e/ou a relojoeira suíça ou críticas a este primeiro post? Mande um e-mail pra annelise.erismann@gmail.com. [1] Bohlhalter, B. (2016). Unruh: die schweizerische Uhrenindustrie und ihre Krisen im 20. Jahrhundert. Zurich:Verlag Neue Zürcher Zeitung e Grolimund, R. (2009). Amerikanische Herausforderung für die ‚Zukunftsstadt‘. Modernisierungsprozesse
Impeachment ou golpe?
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Um Brasil não visto da Casa-Grande nem da varanda gourmet
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Estado latino-americano: uma agenda de pesquisas
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O Conselho Municipal de Saúde

Este livro de Joana Aparecida Coutinho realiza um resgate histórico [ … ] do movimento de Saúde e do próprio Conselho de Saúde na cidade de São Paulo num período muito rico, que inicia por sua implantação e pelos anos seguintes. Diferentemente de outros, o movimento de Saúde foi sempre muito ativo e representou um avanço em termos de se pensar a gestão pública pós-Constituição de 1988, introduzir mecanismos de participação direta dos cidadãos nas tomadas de decisão públicas e a incorporação desses conselhos enquanto órgãos que atuariam em conjunto com as secretarias da Saúde das diferentes prefeituras.[ … ] a autora compreende a história do Conselho Municipal de Saúde em dois momentos: a gestão de Luiza Erundina, do Partido dos Trabalhadores (PT), e a gestão de Paulo Maluf, do Partido Progressista Brasileiro (PPB).
Problemas teóricos del estado integral en américa latina. Fuerzas en tensión y crisis

O livro que a leitora e o leitor têm em maos apresenta o resultado de uma pesquisa de fôlego, realizada em âmbito regional, para situar questoes relacionadas com a disputa de forças e projetos políticos no contexto da crise de hegemonia na América Latina no século XXI. As contribuições teóricas e metodológicas derivam de uma análise crítica e dialética dos acontecimentos histórico-politicos ocorridos na transiçao dos séculos, com o intuito de identificar os elementos que estruturam a noção de crise na contemporaneidade, bem como as possibilidades de sua superação dentro do campo democrático e em um horizonte de emancipação social.
Problemas teóricos do Estado Integral na América Latina

O livro que a leitora e o leitor têm em maos apresenta o resultado de uma pesquisa de fôlego, realizada em âmbito regional, para situar questoes relacionadas com a disputa de forças e projetos políticos no contexto da crise de hegemonia na América Latina no século XXI. As contribuições teóricas e metodológicas derivam de uma análise crítica e dialética dos acontecimentos histórico-politicos ocorridos na transiçao dos séculos, com o intuito de identificar os elementos que estruturam a noção de crise na contemporaneidade, bem como as possibilidades de sua superação dentro do campo democrático e em um horizonte de emancipação social.